quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Virgina Woolf, "As Ondas"

« Volto a fingir que estou a ler. Levanto o livro até este quase me tapar os olhos. Todavia, sou incapaz de ler frente a canalizadores e criadores de cavalos. Não tenho o poder de inspirar simpatia. Não admiro aquele homem; ele não me admira a mim. Deixem-me ao menos ser honesto. Deixem-me denunciar este mundo fútil, oco, em paz consigo mesmo; estes assentes pele de cavalo; estas fotografias a cores de molhes e paredões. É claro que podia denunciar em voz alta a mediocridade deste mundo, que produz negociantes de cavalos que usam berloques de coral nas correntes dos relógios. Há em mim a capacidade de os consumir por completo. As minhas gargalhadas fá-los-ão revolver-se nos assentos; fá-lo-ão uivar à minha frente. Não; eles são imortais. São eles quem triunfam. Farão com que nunca me seja possível  ler Catulo numa carruagem de terceira classe. Farão com que em Outubro me refugie numa universidade, onde acabarei por me tornar professor; e ir até à Grécia dar palestras no Parténon. Seria melhor criar cavalos e viver numa daquelas casas vermelhas do que passar a vida a revolver-me nas caveiras de Sófocles e Eurípedes, semelhante a uma larva, tendo por companheira uma esposa de vasta erudição uma dessas mulheres das universidades. Apesar de tudo será esse o meu destino. Sofrerei. Aos dezoito anos, sou capaz de mostrar tão grande dose de desprezo, que os criadores de cavalos me odeiam. É esse o meu triunfo; sou incapaz de compromissos. Ao contrário do Louis, não preciso de me preocupar com que irão pensar por "o meu pai ser banqueiro em Brisbane".
(...)
O comboio abranda e alonga-se à medida que nos aproximamos de Londres, do centro, e o meu coração quase que salta, de medo, de satisfação. Estou prestes a encontrar... o quê? Que aventuras extraordinárias me esperarão por entre estas carrinhas dos correios, estes bagageiros, estes enxames de gente à espera de táxi? Sinto-me insignificantes, perdido, mas também satisfeito. Paramos com ligeiro solavanco. Vou deixar que os outros saem antes de mim. Deixar-me-ei ficar sentado durante mais uns instantes antes de sair ao encontro daquele caos, tumulto. Tentarei não antecipar o que está para vir. Sinto um enorme rugidos nos ouvidos, qualquer coisa que, por baixo deste telhado de vidro, lembra o barulho do mar. Despejam-nos na plataforma com as malas na mão. O turbilhão faz com que nos separemos. O meu sentido de unidade, o desprezo que me caracteriza, quase desaparece. Sou arrastado pela multidão. Afasto-me na plataforma agarrado a tudo o que possuo - uma mala.»

1 comentário:

  1. Achei interessante
    Passei aqui lendo o que tem pra ler. E observando o que tem para observar. E Exaltando o que tem de ser Exaltado. Estou lhe desejando um Tempo de Harmonia e de muita Inspiração. Entendo ter um blogue Agradavel, muito bom e Interessante. Eu, também tenho um. Muito Simplório por sinal. E estou lhe Convidando a Visitá-lo e, mais. Se possivel Seguirmos juntos por eles. Estarei Muito Grato esperando por Você lá.
    Abraços de verdade e, fique com DEUS

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