terça-feira, 5 de julho de 2011

São as minhas mãos que tremem até não poder segurar os talheres - poema de Miguel Martins

São as minhas mãos que tremem até não poder segurar os talheres
sou eu sentado na cama, transido de medo de acordar para viver
sou eu a vomitar de medo como sempre desde o tempo da escola primária
sou eu a driblar o futuro, acabado por sair da linha lateral
sou eu agora em espamos, assemelhando-me a um campo de minas
sou eu agarrando-me aos poucos que me disseram alguma coisa
eu tentando não cair, não sabendo como vim parar a esta copa
sou eu com a morte nos olhos que trago dentro dos meus olhos
eu, fidelíssimo traidor, não entendendo porque me achei só
eu a fugir de encontrar-me e sempre na exaustão de me encontrar
eu em cada vivo, em cada morto, em cada esquina da cidade
sou eu não conseguindo adormecer e, adormecendo, não dormindo
sou eu sem saber fugir a uma luxúria que jamais me faz feliz
eu a habitar um corpo doloroso, como semáforo amarelo
eu vendo outra coisa em cada coisa e em tudo palavras de papel
eu carregando o peso do passado sobre um futuro inexorável
eu mais mortal que os mortos e defrontando a imortalidade
sou eu com a cara e a alma à venda nos escaparates insensíveis
eu pedindo esmola a quem despreza o que lhe posso dar
sou eu rindo-me de mim para evitar chorar por tudo o mais
sou eu irremediavelmente sozinho para toda a eternidade
sou eu sem música de fundo, vendo-me num espelho desbotado
sou eu a fumar como se me defumasse para me poder comer
sou eu silenciando um grito por minuto e escrevendo no mel
eu vestindo toda esta nudez, só para amar a verdade do amor

e se se isto é difícil de entender, dizendo-te outra coisa não seria eu

domingo, 19 de junho de 2011

a moral

É curioso ver-mos pessoas a fazerem das maiores atrocidades, a desligarem-se de tudo e todos, rebaixando quem querem à sua mercê. Depois quando se lembram de aparecer acham-se os donos da moral tentando encontrar nos outros a merda que foram, pior, culpando os outros por isso. Enxerguem-se. 

 O único moralismo válido: não sejam moralistas. 

sexta-feira, 17 de junho de 2011

MARCHA DO ORGULHO LGBT

Há uma data de anos no Correio da Manha saiu uma notícia bem destacada sobre a Marcha Do Orgulho LGBT que se realizara. O título era qualquer coisa como "Gay´s Lutam Pelo Casamento e Falam por Consequência na Adopção". Não me recordo bem mas a ideia era essa. A notícia assim até parece nutrir de alguma inocência se na foto não aparecesse um Travesti com uns dois metros. Na altura ainda nem me atreveria a sair sozinha em Lisboa. E a homossexualidade era quase como se só existisse noutro mundo. Contudo lembro-me de pensar: não há-de ser esta peça que quer casar e muito menos adoptar uma criança. Porque não se adopta crianças de ânimo leve, escusado será dizer. Mas se ninguém pode falar mais alto (criticar) os conservadores extremistas, não falem, se faz favor, doutros extremismos. Ou respeitem-se por igual. E pergunto-me porque nestes casos nunca destacam muitos dos políticos aliados à causa; quem diz políticos diz jornalistas, diz escritores, diz psicólogos (...) Os próprios interessados directamente. Mas não deixou de ser engraçado ver esse jornal a propagar o preconceito como se nada fosse. 

É preciso ser dotado de alguma inteligência, aqui regozijo-me, para sem saber bem a realidade das coisas ver além de quem nos pensa que cega, ou porque simplesmente é cego e pensa que vamos com ele nessa cegueira. 

Hoje é dia são muitas as vozes que, felizmente, não permitem que o preconceito seja tão descarado, mas ainda há quem consiga camufla-lo bem. 

Amanha é a próxima Marcha, só tenho pena que esta esteja a fazer interferência com os meus exames, caso contrário estaria lá, numa tarde que de certeza terá imenso Sol, a lutar pelos direitos humanos. Só espero muito sinceramente não encontrar notícias deprimentes quando acordar no domingo.

Poema do Silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

José Régio