segunda-feira, 14 de março de 2011

Rosa Vermelha Em Quarto Escuro

«Os domingos são os dias mais difíceis. Arquitectar todo o tempo em redor da necessária ida à levantaria. A cidade foi em grande parte esvaziada. Por vezes vai para o parque e fica horas a seguir os patinadores solitários a dançarem de headphones na cabeça. A tentar adivinhar pelos gestos o tipo de música. De vez em quando dói mesmo. A família que nunca terá. As papoilas breves. E de novo Aysha que ela não sabe onde dorme, com quem respira. Está naquele momento a pensar nela ignorando que também ela o faz?A Aysha pode ter desaparecido para um lugar que ninguém sabe onde fica. Nem mesmo ela. No último telefonema disse explicitamente: tenho de voltar urgentemente a Teerão. A forma verbal é ambígua. Temporalmente imprecisa. Ir e voltar. Ir e ficar. Ir e fugir. Não disse mais nada. Talvez não fosse preciso dizer mais nada. Ela é muito corajosa. Não chora sempre que lhe apetece. Trinca um lápis com força. Mastiga um comprimido violeta. Mete-se num cinema sem procurar saber o nome da película. Sai do cinema e quase corre pelas ruas. Por vezes a vida é tão confusa que a confusão persegue. Tudo podia ser diferente e tudo é exactamente como é. Não sabe com vai conseguir aguentar e aguenta. Em casa o cão espera por ela à hora a que voltar e não se mostra insatisfeito.»
(Pedro Paixão)

1 comentário:

  1. Olá,

    gostei tanto desse livro que nem imaginas. PPaixão é o máximo.

    Bjo grande.

    Edgar Semedo

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