Aquilo que lhe é proibido e ela tira para si às escondidas: os livros, os discos, o gozo do corpo. Reproduções de Delvaux escondidas na gaveta e álbum de Magritte mal olhado, no desprendimento de quem ali o tem somente pelo luxo, desfolhando-o ao acaso, deixando-o aberto, por exemplo, naquela página da amazona a atravessar a cavalo o dentro das árvores.
Ema olha a noite vinda como que do rio, ganhando tudo, devorando tudo à sua roda. Teme pela mulher que continua na praça a olhar para cima. Teme, sempre temeu por si? Só ela sabe da quantidade de ódio de que é capaz. E do que pode fazer o ódio numa pessoa.
- A única coisa que me resta é amar o ódio - disse muito baixo. Apenas um murmúrio.
Parada por segundos à porta da sala a criada olha Ema sem qualquer interesse, sem condescendência alguma. Primeiro pensa que ela falou, mas logo percebe que se enganara.
Foi o barulho da chuva no parapeito da janela, imagina para si.
(Excerto extraído do Livro "Ema", de Maria Teresa Horta.)
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