sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A grande ficção do amor

«Leonel: Já não desejo a Luísa? Mas o que é o desejo? – pergunto-me tanta vez. Um dia odiei tanto uma mulher que me doía o desejo que tinha por ela – confessou-me o Afonso - Cheguei a odiar-me a mim mesmo por deseja-la tanto. Mesmo assim, desejava-a com todo o ódio que lhe tinha. Um ódio tão profundo, tão intenso, que só chega onde chega uma grande amor. Um amor tão profundo, tão intenso, que me poderia levar ao mais intenso e profundo dos ódios, mas nunca à indiferença. Acredita, o desejo é apenas um incontido impulso animal, elementar como o cheiro de um corpo, primário, louco… confundido com o amor quando revestido de um pouco de afeição, de ternura, de respeito. Mas o desejo vive por si só. Podes desejar uma mulher mesmo que saibas que é o diabo. Ou talvez por ser o diabo, instintivamente, a desejes ainda mais. Por isso desejei essa mulher quando ela era trigo e quando a sua alma ficou negra e a transformou em joio.

Que mulher? Afonso ignorou a pergunta. Apenas me advertiu - nunca confundas amor com desejo, pois qualquer mulher troca flores e poemas por orgasmos múltiplos. O amor é apenas um estado febril mais ou menos transitório, mas o desejo existe, resiste, é bravio, apega-se ao corpo. É inacreditável até onde alguém pode chegar movido pelo desejo de possuir alguém. Pode chegar a ser doentio, como uma droga que te vicia e te bloqueia a mente. Pode destruir-te… matar-te! – concluiu.

Quem lê tantos romances de amor não pode ser tão descrente nesse mesmo amor, respondi, tentando contestar a amargura das suas palavras. Não te iludas – retorquiu Afonso com um sorriso – São apenas estúpidos livros que falam da melhor das ficções: o amor. Apenas gosto de ler romances de ficção, nada mais que isso…»

(In: «Diário dos Infiéis», João Morgado)

7 comentários:

  1. Amor... palavra pequenina para tantas emoções :)

    Bjos

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  2. Olga, obrigado pelo destaque do meu livro. Beijo. (João Morgado)

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  3. Que descrição tão poderosa...
    Gosto especialmente da parte em que diz que uma mulher pode ser o diabo em pessoa e mesmo assim suscitar aquele desejo animalesco, explica muita coisa...
    Um dia sou capaz de "roubar" isto lá para o meu cantinho ;)
    Ps- Não resisti, já comprei o "Marina", agora é só acabar 2 livros que tenho a meio e lá vou eu :)
    Beijinho

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  4. Quantos mais roubarem mais vão ler! :)) Este é também de leitura obrigatória!

    E quanto ao Marina, vai amar! ;)

    Beijo

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