domingo, 11 de julho de 2010

Sophia de Mello Breyner Andresen

Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
em que não moras
E o teu encontro
São planícies e silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente

5 comentários:

  1. Porque é sempre quem mais queremos ao nosso lado que nunca vem...

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  2. Fica com este, Helena! :)

    Se alguém me perguntar - Maria do Rosário Pedreira

    Se alguém me perguntar, hei-de dizer que sim, que foi
    verdade que não amei ninguém depois de ti nem
    o meu corpo procurou nunca mais outro incêndio
    que não fosse a memória de um instante junto
    do teu corpo; e que deixei de ler quando partiste
    por não suportar as palavras maiores longe da tua boca;
    e que tranquei os livros na despensa e tranquei a despensa,
    acreditando que, se não me alimentasse, acabaria
    por sofrer de uma doença menor do que a saudade, mas
    a que os outros, pelo menos, não chamariam loucura.


    Se alguém me perguntar, direi que foi assim, e não de

    outra maneira, como alguns parecem supor - que permiti,
    bem sei, que outros homens me amassem e me aquecessem
    a cama, mas em troca lhes dei apenas um nome diferente
    do que tinham e os vi partir desesperados a meio
    da noite sem sentir maior dor que a de saber que, afinal,também eles não existiam para além de ti; e que no dia
    seguinte dava comigo a trautear sem querer essa canção
    que amavas (como se ela, sim, se tivesse deitado
    no meu ouvido), mas que a sua melodia, em vez
    de me alegrar como antes, me escurecia mais a vida.


    Se alguém me perguntar, nada desmentirei, nem negarei
    que os frutos todos que me deram a provar na tua ausência
    me pareceram demasiado azedos ao pé dos que explodiam
    em sumo nos teus lábios; e que, por isso, nunca mais quis
    um beijo de ninguém, nem sequer inocente, e não voltei
    também a aceitar as flores que me traziam por me lembrar
    que, em mãos assim, tão grandes para o afecto, o seu
    perfume anunciava invariavelmente a chegada do outono.



    E contarei por fim, se alguém quiser saber, que o teu silêncio
    foi de tal densidade, de tal espessura, que não consegui escutar nenhuma das vozes que vieram depois de ti e, pior
    do que isso, me esqueci com indiferença das mais antigas,
    pelo que as minhas noites se tornaram uma tão longa
    e solitária travessia que ainda esta manhã acordei ao lado
    da tua sombra e respondi baixinho, mesmo sem ninguém
    me perguntar, que há coisas que uma mala nunca leva.

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  3. Olga, adorei! Realmente longe do corpo, mas presente no coração...pk "há coisas que uma mala nunca leva".

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