sábado, 5 de junho de 2010

João Aguiar - Inês De Portugal

A criminosa, obsessiva paixão do filho pela Castro foi culpa nossa, quem sabe, fizemos tudo o que não devíamos ter feito. Ao primeiro olhar apercebido, dele para ela, devíamos tê-la banido do reino, nesse mesmo dia, e em vez disso obriguei-a a ser madrinha do meu primeiro neto, como se um feitiço urdido pelo demo pudesse quebrar-se tão facilmente. Quando ele a tomou como sua e a levou para Coimbra, em desafio, em desafio à lei de Deus e do reino, devíamos tê-los apartado e não o fizemos com força bastante. O que ganhamos com a morte dela? Senão mais escândalos e mais mortes?
(...)
A voz do Pedro, ao responder-lhe, interrompe-lhe o curso do pensamento.

 - Lavar o seu sangue? Não, Afonso, não dizes bem. Tivesse eu recolhido o seu sangue, haveria de o trazer comigo, encerrado em relicário santo. Até isso me foi negado. Mas se o não posso ter, hei-de ao menos vingá-lo. 
  É Pedro que se aproxima agora, lentamente, enquanto fala. - Que sabe o mundo de juramentos, Afonso? O juramento que lhe fiz, a ela e não ao meu pai e a minha mãe, o juramento que lhe fiz, só esse é verdadeiro e só esse conta e só esse me prende. 
 Afonso Madeira tenta desesperadamente afastar a imagem da ausente, que enche e domina a sala e lhe rouba a atenção, o olhar de Pedro. A imagem da morta é, bem sabe, capaz de varrer todos os vivos para a sombra do esquecimento.
 - Afonso - murmura o Rei - nunca houve nem haverá no mundo amor maior que este. 
(...)
Roubaram-te de mim, Inês, mas não sabiam que assim te punham para sempre em mim. Para sempre, até ao fim do mundo.

O caso triste, e digno de memória
Que do sepulcro os homens desenterra,
 Aconteceu da mísera e mezquinha
Que despois de ser morta foi Rainha
(Luís de Camões)

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