segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Jogo Do Anjo - Carloz Ruiz Zafón

Querido David:
Às vezes parece que comecei a escrever-lhe esta carta há muitos anos e que ainda não fui capaz de a terminar. Passou muito tempo desde que o vi pela última vez, muitas coisas terriveis e mesquinhas, e, no entanto, não há um único dia que não me lembre de si e não pergunte a mim mesma onde estará, se terá encontrado a paz, se estará a escrever, se se terá transformado num velho rezingão, se estará apaixonado ou se se lembrará de nós, da pequena livraria de Sempere e filhos e da pior ajudante que alguma teve. 
  Lamento que se tenha ido embora sem me ensinar a escrever e não sei por onde começar a pôr em palavras tudo o que desejaria dizer-lhe. Gostaria que soubesse que fui feliz, que graças a si encontrei um homem de quem gostei e que gostou de mim e que juntos tivemos um filho, Daniel, ao qual falo sempre de si e que deu um sentido à minha vida que nem todos os livros do mundo poderiam sequer explicar.
 Ninguém sabe, mas, às vezes, ainda volto àquele molhe onde o vi partir para sempre e sento-me durante um bocado, sozinha à espera, como se acreditasse que o senhor ia voltar. Se o fizesse verificaria que, apesar de tudo o que aconteceu, a livraria continua aberta, que o terreno onde se erguia a casa da Torre continua vago, que de todas as mentiras que se disseram sobre si foram esquecidas e que nestas ruas há tanta gente que a alma manchada de sangue que já não se atrevem sequer a recordar e quando o fazem mentem a si próprios porque não conseguem ver-se ao espelho. Na livraria continuamos a vender os seus livros, mas à socapa, porque agora foram declarados imorais e o país encheu-se de mais gente que quer destruir e queimar livros que daqueles que os querem ler. Correm maus tempos, e penso muitas vezes que se avizinham outros piores. 
 O meu marido e os médicos julgam que me enganam mas sei que me resta pouco tempo. Sei que morrerei em breve e quando receber esta carta já cá não estarei. Por isso quis escrever-lhe, para que saiba que não tenho medo, que o meu único desgosto é deixar o homem bom que me deu a vida e o meu Daniel sozinhos, neste mundo que de dia para dia, quer-me parecer, é mais como o senhor dizia que era e não como eu queria crer que podia ser. 
 Quis escrever-lhe para que soubesse que apesar de tudo vivi e estou grata pelo tempo que aqui passei, grata por tê-lo conhecido e por ter sido sua amiga. Queria escrever-lhe porque gostaria que me recordasse e que, um dia, se vier a ter alguém como eu tenho o meu pequeno Daniel, lhe fale de mim e que com as suas palavras me faça viver para sempre.
 Com amizade
Isabella
Cemitério dos Livros Esquecidos.
" - Este lugar é um mistério. Um santuário. Todos os livros, todos os volumes que vês à tua frente, têm alma. A alma de quem os escreveu, a alma daqueles que os leram e viveram e sonharam com eles. De cada vez que um livro muda de mãos, de cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se mais forte. Neste lugar os livros de quem já ninguém se lembra, os livros que ficaram perdidos no tempo, vivem para sempre, à espera de chegar às mãos de um novo leitor, de um novo espírito..."

2 comentários:

  1. Olá obrigado pela visita ao meu (infelizmente tão desactualizado) blog, este ano depois do verão, Setembro ou Outubro vai ser editado pela editora Planeta outro livro do Zafón, o Marina que é o 1º ou dos 1ºs livros dele

    ResponderEliminar
  2. Já fez de mim uma pessoa mais feliz hoje com a noticia que me acaba de dar. Descobri enquanto pesquisava o escritor, por isso, para mim, o seu blog está actualizado.
    Beijos

    ResponderEliminar